Em busca do equilíbrio entre o “sim” e o “não”
Dizer “não” para uma criança nem sempre é fácil. Mas, verdade seja dita, às vezes é o caminho mais curto para resolver alguma situação. Na outra ponta da corda, o “sim” aparece no mesmo contexto: ora é prático, ora é doloroso para quem o diz.
E é dessa maneira que as mães seguem dia após dia tentando balancear pesos e medidas quando precisam dizer essas palavrinhas tão pequenas, mas tão poderosas, capazes de influenciar o comportamento do filho numa vida adulta.
Aí vem a pergunta óbvia: por que é tão difícil encontrar esse equilíbrio?
Alguns autores falam em choque de gerações, mas a psicóloga Renata Magliocca, especialista em psicologia positiva, prefere o termo “encontro”.
É que os pais nasceram e cresceram em contextos socioeconômicos muito diferentes dos seus filhos: o mundo era outro, as necessidades, os desejos, a economia, as carreiras etc. Essa diferença de contexto gera muitas inseguranças e dúvidas sobre o melhor jeito de agir e educar os filhos.
“Se os pais reproduzem o jeito como foram educados, fica a sensação de que estão fora de contexto, desatualizados ou que aquelas respostas não dão o mesmo efeito como antes. E não dão mesmo”, afirma Renata.
Por isso, os momentos do “sim” e “não” talvez sejam os que mais expõem essas mudanças e as inseguranças da maioria dos pais, desde como dar afeto, mostrar que o filho é amado, até oferecer limites, sem mimar ou, ainda, ensinar como vencer frustrações, falhas, erros, entre tantos outros percalços.
“Para vencer isso, os pais precisam ter claro quais são os valores que querem passar para seus filhos; o que é, na opinião deles, fundamental e o que não é tão relevante assim. Serão esses os contornos que darão a referência do momento certo de dizer ‘sim’ ou ‘não’”, defende a psicóloga Renata Magliocca.
Vale lembrar que esse é um exercício diário. Os pais precisam estar abertos a constantemente analisarem os impactos das suas ações em cada um dos filhos (porque cada um deles tem sua individualidade e reagirá de um jeito).
Também devem se questionar se estão no caminho que reforçam positivamente os valores em que acreditam e – bem importante – não esquecer que errar e falhar farão parte desse aprendizado constante.
Onde mora a dificuldade
Para a psicopedagoga Maíra Scombatti, a dificuldade dos pais em encontrarem o momento certo de dizer "sim" e "não" acontece quando ainda não se tem clareza do limite real do momento.
“Não temos dúvida em dizer ‘não’ quando uma criança tem o impulso de atravessar uma rua movimentada, assim como não temos dúvidas em dizer ‘sim’ quando nossos filhos nos pedem um copo de água quando estão com sede. Geralmente, quando temos dúvida, é porque o limite não é verdadeiramente importante. Nem todos os limites têm a mesma importância. E isso varia para cada família”, afirma.
Ter consciência dos limites (de integridade física, de convivência etc), identificar quais têm verdadeira importância em cada contexto, permitir-se questionar quando é possível e perceber as reais necessidades de cada momento podem ajudar a encontrar o equilíbrio nessa relação com os filhos.
Limites: como ensiná-los?
Antes de ensinar limites, é preciso que os pais tenham clareza sobre as seguintes perguntas:
- O que valorizamos como família?
- Quais comportamentos esperamos dar como exemplo para os filhos?
- Que atitudes esperamos que eles tenham quando forem adultos?
- Quais são os sinais e ações que esperamos ver e que nos trarão a confiança de que estamos no caminho certo?
Sem essas respostas, os limites ficarão muito confusos, dificultando que os filhos entendam a importância deles. “Essa inconstância gera dúvidas na criança, que também acaba confusa sobre qual comportamento é esperado dela naquela situação”, observa Renata.
É preciso ressaltar a importância do exemplo: os filhos aprenderão (verdadeiramente) o que é “sim” ou que é “não” ao identificarem nos seus pais e educadores determinados comportamentos.
Por exemplo, se você quer ensinar seu filho a ser educado com todos, então, pergunte-se: “Eu sou educada com todos?”, “O que eu faço que me traz a certeza de que sou?”, “O que eu gostaria de fazer?”. E colocar essas atitudes em prática.
Assim, os filhos vão compreendendo os limites daquela família, daquele contexto sem muita necessidade de cobrança ou imposição.
Avaliando o equilíbrio
Segundo a psicóloga Carla Zuquetto, terapeuta analítico-comportamental, um jeito de os pais descobrirem se estão no caminho certo é observar o desenvolvimento da criança. E aí não tem jeito: é estudar um pouco de desenvolvimento, dos marcos, saber o que esperar em cada fase.
“A gente não espera que um bebê de 7 meses saia correndo pela sala, nem que uma criança de 2 anos leia. Da mesma forma, não pode esperar determinados comportamentos antes da criança estar pronta para eles”, afirma. Ou seja, os limites têm que estar dentro desse intervalo: do que a criança pode fazer, do que ela consegue fazer.
Para quem busca dicas práticas, Carla Zuquetto indica algumas:
- Esteja atenta ao seu filho e ao ambiente que o cerca e policie o seu próprio comportamento.
- Tenha clareza dos limites que você quer colocar para os seus filhos e saiba os motivos desses limites.
- Pense se esses limites são palpáveis para a idade da criança. Se não forem, em quais seriam os limites palpáveis e como chegar neles (fazer uma escala de limites).
- Esteja sempre em acordo com o parceiro. Se um diz “não”, o outro deve confirmar.
- Os limites devem ser consistentes, sem exceções às regras.
Palavra de mãe
Yara Tropea, jornalista, é mãe de Pedro (8 anos) e Luiza (2 anos) e, na maioria das vezes, não sente dificuldade em encontrar o momento certo de dizer "sim" e "não" para os filhos. Na verdade, ela tenta não criar “nãos”.
“Minha meta é dizer ‘sim’. Se vem um ‘não’ é porque não pode mesmo. E, às vezes, digo ‘sim’, mas quando eles vão colocar em prática aquilo que autorizei e percebo que foi uma péssima ideia, digo ‘não’ e explico o porquê dentro do entendimento deles”, comenta.
Mas nem sempre foi assim. Quando Pedro era pequeno, Yara tinha uma necessidade muito grande de obediência. “Achava que obediência e respeito eram a mesma coisa. Então, não aceitava que ele não fizesse o que eu estava dizendo para ele fazer. Naquela época, acho que eu dizia mais ‘nãos’, pois me respeitar era ele parar assim que eu dissesse ‘para!’”, conta.
Com o tempo, foi percebendo que tinha pouco a ver com respeito e mais a ver com o que ele podia dar com o pouco repertório que tinha. “Quanto mais eu me colocava na pele dele, mais eu conseguia equilibrar”, explica.
Para a advogada Ana Paula Consolino, mãe de Vittorio (8 anos), Giovanni (6 anos) e Giulia (4 anos), impor limites é difícil. “De tudo que se fala sobre filhos, acho que esse ponto é um dos mais complicados”, avalia.
Segundo ela, nos momentos em que um de seus filhos tenta se impor e testar seu próprio limite é que, muitas vezes, se sente incapaz. “Eu me questiono, me culpo tentando buscar explicação para aquilo. Ser ‘autoridade’ sem ser autoritária é extremamente complicado, mas é necessário”, avalia.
Para Ana Paula, é possível dizer “não” de um lado com um “sim” de outro. “Se é hora de trocar de roupa para sair, não vai esperar mais, pois está na hora. Mas a escolha da roupa pode ser da criança”, exemplifica.
Essas pequenas doses diárias e contínuas de equilíbrio são um exercício e sinônimo de paciência. “Sem dúvida haverá dias em que nós vamos nos colocar em conflito, a culpa aparecerá e a sensação de não saber se estamos no caminho certo, também, mas temos dentro de nós nossos próprios limites, nossos próprios conceitos e sabemos o que queremos para a construção dos nossos filhos: essa é a base”, acredita a advogada.